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O PIB que era uma piada virou realidade

O ministro Guido Mantega desdenhou das previsões do mercado de que a economia cresceria 1,5% este ano. Ontem, o próprio BC estimou o índice em 1,6%. Já a inflação, em alta, pode chegar a 5,2%

Nova previsão do Banco Central para o crescimento deste ano converge para a expectativa do mercado, antes criticada pelo titular da Fazenda, Guido Mantega. Apesar da atividade mais fraca, perspectiva de inflação subiu de 4,7% para 5,2%

Três meses depois de qualificar como piada as projeções de crescimento para o país feitas pelo banco Credit Suisse, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve de se render à realidade. O Banco Central, ontem, revisou as expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB, soma do que o país produz em um ano) e a nova estimativa de crescimento ficou próxima ao número que o ministro tentou desacreditar: 1,6%. Antes, a autoridade monetária esperava uma expansão de 2,5%. A queda da previsão do PIB foi acompanhada ainda pela piora da expectativa de inflação, que subiu de 4,7% para 5,2% — um quadro que deixa o Brasil entre pouquíssimas nações que amargam atividade fraca e carestia em alta.

As previsões foram apresentadas ontem pela autoridade monetária durante divulgação do Relatório Trimestral de Inflação. O documento indica que a presidente Dilma Rousseff terminará seu mandato sem deixar a inflação no centro da meta em um único ano. Para 2013, a expectativa do BC é de 4,9%. Para o terceiro trimestre de 2014, 5,1% — número que precisa ceder 0,6 ponto percentual para atingir o objetivo perseguido pelo governo, 4,5% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar das próprias previsões, o BC continua com o discurso de que a inflação vai convergir para o centro da meta de “maneira não linear”.

O diretor de Política Econômica da instituição, Carlos Hamilton Araújo, atribuiu à seca dos Estados Unidos a culpa de a inflação estar longe dos 4,5%. Com os problemas climáticos no país, houve a quebra da safra de grãos. Preços internacionais importantes, como os de milho e da soja, dispararam. “Não fosse o choque de oferta, a inflação cairia para 4,5%. Ele desviou temporariamente o recuo da inflação”, argumentou Araújo. O diretor explicou que o ganho de produtividade no Brasil está entre 1% e 2% e que qualquer aumentou real de salário para os trabalhadores acima desse percentual se transforma em inflação.

No Palácio do Planalto, a previsão do BC de 1,6% para o crescimento do PIB no ano foi recebida sem sustos. A presidente Dilma Rousseff já havia sido avisada por técnicos que a projeção viria abaixo dos 2% anunciados recentemente pelo Ministério da Fazenda. Tanto ela quanto a equipe econômica consideram que o pior já passou.

A previsão do BC, na visão de técnicos do governo, é de que essa estimativa limita-se à “economia vista pelo retrovisor”. O terceiro trimestre, pelos cálculos desses técnicos, já dá mostras de robustez e, em termos anualizados, o PIB estaria a 6% em termos anualizados. Para o quarto trimestre, eles esperam um ritmo mais lento, pouco acima de 5% — número que, se confirmado, levará o crescimento do PIB no ano para os 1,6% estimados pelo BC.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também reduziu a previsão de crecimento neste ano, para 1,5%.

Custo da meta

Durante apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, Araújo afirmou que, como ocorreu em 2011, trazer a inflação para o centro da meta implicaria “custo enorme” para o país. Quando questionado se esse custo hipotético seria um PIB menor e se agora o BC tem um duplo mandato — controle de preços e crescimento —, ele respondeu: “O combate a surto inflacionário tem impacto para a atividade. Não há almoço grátis”, afirmou. “O custo é sempre medido em termos de atividade”, observou mostrando, segundo analistas, que o BC tem uma clara preocupação com o crescimento, portanto a inflação não é mais a única missão da autoridade monetária, embora isso não seja admitido oficialmente. Araújo limitou-se, porém, a dizer que o aperto monetário seria inócuo: “Não faria sentido subir a taxa de juros considerando a defasagem de política monetária”.

O diretor do BC disse também que o espaço para o movimento de corte nos juros básicos (Selic) no Brasil está se estreitando, algo que, somado ao Relatório de Inflação, solidificou entre os analistas a sensação de que o ciclo de corte de juros pode acabar em uma taxa de 7,5% ao ano. “Acreditamos que a Selic permaneça em 7,5% ao longo do ano que vem inteiro, já que o BC não vê riscos de médio e longo prazo para a inflação”, afirmou o economista-chefe da corretora Gradual Investimentos, André Perfeito. O economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, também prevê que o fim do ciclo de cortes esteja próximo. Ele, porém, aposta em mais uma redução, de 0,25 ponto percentual em outubro. “Permanecerá nesse patamar até meados do ano que vem”, estimou.

Dólar

Sobre dólar, o diretor do BC explicou que nos próximos 12 meses dificilmente ocorreria algo semelhante ao último ano, quando a moeda saiu de R$ 1,60 para pouco mais de R$ 2. “Em um ano o câmbio depreciou algo como 25% a 30%. Isso teve impacto na inflação do atacado e na inflação ao consumidor”, afirmou. Para o diretor, o peso do dólar mais alto sobre os preços ao consumidor ainda não foi totalmente absorvido. Mas deve ser repassado integralmente até o fim do ano.

Na avaliação da autoridade monetária, as expectativas do mercado para o custo de vida em 2013 devem ceder nas próximas semanas. A instituição acredita que os analistas ainda não contabilizaram o impacto da desoneração da energia, um desconto que deve reduzir o IPCA em 0,5 ponto percentual no próximo ano. Araújo excluiu do cenário um possível reajuste nos combustíveis. Afirmou acreditar em outras influências positivas para o custo de vida.

Desconforto

O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, se mostrou desconfortável quando questionado sobre as declarações do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do secretário-executivo da pasta, Nelson Barbosa. Ambos têm garantido que os juros não irão subir em 2013. Araújo limitou-se a dizer que a diretoria do BC se reúne a cada 45 dias para avaliar o cenário e decidir. Nos bastidores, a presidente Dilma tem tentando apaziguar os ânimos entre Fazenda e BC. Ela delimitou o território que cada um deles poderia transitar. O Banco Central não fala da área fiscal e a Fazenda não dá opinião sobre política monetária.

Fonte: Correio Braziliense

 

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