19 de abril de 2013
Como toda criança, Kelvin R., nascido em Cuiabá (MT), sempre gostou de jogar bola e brincar com seus amigos na rua. Mas aos 14 anos essa rotina mudou. A necessidade fez com que deixasse de lado seus antigos companheiros para ir atrás de trabalhos em pequenas oficinas de carro ou lava-jatos. Sem contrato, carteira assinada ou benefício, ele conseguia R$ 80 por semana. Com o dinheiro, comprava boné, celular e tênis. “Não ia para a escola, pois achava que os estudos não me levariam a lugar nenhum. Frequentava a escola apenas quando sentia vontade, mas pensava mesmo em trabalhar.”
Kelvin é um exemplo do impacto da mecanização das lavouras de Mato Grosso que nos últimos anos provocou a migração de trabalhadores rurais para as áreas urbanas dos grandes municípios do Estado. Cidades como Várzea Grande e Cuiabá passaram a ter as ruas cheias de crianças e adolescentes trabalhando. Vendiam doces nos bares e faróis ou faziam qualquer tarefa nos pequenos negócios informais.
Cerca de 2,5 milhões de adolescentes de 14 anos e jovens até 24 anos estão trabalhando, mas apenas uma parcela faz isso de modo formal. A Lei de Aprendizagem no Brasil prevê que toda empresa de médio e grande porte contrate entre 5% e 15% de aprendizes em seu quadro de funcionários. Ou seja, jovens entre 14 e 24 anos em processo de formação podem ser registrados em atividades que não sejam perigosas, nem insalubres e cuja jornada não seja em horário noturno. Mas o número de aprendizes no país está muito aquém do estabelecido pela lei. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2009 o potencial de vagas de Aprendizes no Brasil era de 1,22 milhão. Entretanto, nesse mesmo ano, o total de aprendizes contratados foi de 155 mil – 12,7% da demanda estimada.
Aprimorar esta lei ajudaria a combater a exploração do trabalho infantil. Esta é a aposta da OIT e da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho em Mato Grosso (SRTE-MT). Em parceria com o Senai e diversos órgãos do governo, essas entidades criaram um modelo de inclusão de adolescentes trabalhadores no sistema de aprendizagem. Batizado de “Me Encontrei”, o projeto envolve 140 jovens que pertencem a comunidades vulneráveis e com altos índices de pobreza, marginalização racial, étnica e gênero. A proposta é proporcionar uma formação alternativa de trabalho, proteção integral e emprego juvenil a adolescentes.
“São meninos que querem ter dinheiro para comprar suas coisas, como todo adolescente, e iriam trabalhar de qualquer maneira. Sem registro, acabam em atividades precárias, expostos à exploração e a perigos”, diz Antônio Carlos Mello, coordenador nacional do programa de combate ao trabalho infantil da OIT, responsável pelo projeto em Cuiabá. “Dessa forma, o ciclo da pobreza não se rompe” diz. Na prática, a assistência social busca ativamente jovens nas comunidades carentes. A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego fiscaliza e afasta os jovens que estão envolvidos irregularmente no trabalho infantil.
Geralmente, o adolescente que está nas ruas não tem acesso a esse tipo de emprego, pois não conta com a escolaridade exigida pelas empresas. São jovens que teriam dificuldade para se deslocar até os locais de treinamento e que, muitas vezes, não têm sequer a alimentação adequada garantida. “Nosso trabalho nada mais é do que fazer com que as políticas públicas existentes funcionem”, afirma Mello.
Foi por meio de um aviso na escola que Kelvin foi até a Secretaria de Educação do município e se inscreveu no programa “Me Encontrei”. Depois de um ano e alguns meses estudando e atuando como aprendiz, foi finalmente contratado como ajudante de almoxarifado na empresa Acquavix Ambiental Engenharia. Com um salário mínimo, ele tem uma rotina que inclui tempo para estudar e trabalhar. Seu sonho é cursar uma faculdade de educação física.
Fonte: Valor Econômico