03 de agosto de 2012
A presidente Dilma Rousseff prepara para depois das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas reformas: a da previdência do INSS, em troca do fim do fator previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de empresas e sindicatos.
Ontem o Palácio do Planalto adiou a reunião que a presidente faria com um grupo de empresários no dia 7 porque o pacote de medidas de estímulo aos investimentos não ficará pronto a tempo. O governo deverá anunciar as novas medidas em blocos separados
Os técnicos do governo envolvidos na elaboração das medidas de concessão do serviço público ao setor privado, redução dos encargos da conta de energia elétrica, reforma do PIS/Cofins e incorporação de mais setores na desoneração da folha de salários enfrentam enorme dificuldade de compatibilizar o aumento de gastos do Tesouro que isso representará com a disponibilidade de receitas para 2013. É preciso encontrar ainda uma margem de arrecadação para atender a algumas categorias de servidores públicos em greve.
Dos onze encargos incidentes sobre as contas de energia – que representaram R$ 16,35 bilhões em 2011, ou 0,39% do PIB – apenas três ou quatro devem ser retirados da tarifa e transferidos para o Tesouro. Não está decidido, porém, se eles serão integralmente ou parcialmente removidos.
Na reforma do PIS/Cofins, não está claro se há espaço fiscal para redução da tributação ou se a mudança terá que ser neutra do ponto de vista da arrecadação.
As concessões de rodovias, portos, ferrovias e aeroportos devem ser anunciadas primeiro, provavelmente na semana que vem. Em seguida, virá o pacote de energia, com a retirada dos encargos e a renovação das concessões.
Cumprida essa agenda, o governo deve se dedicar às negociações com a Câmara para trocar o fim do fator previdenciário pela idade mínima para a aposentadoria, de 60 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens. Mudanças e regras mais restritivas terão que ser feitas nas pensões por morte, que consumiram R$ 100 bilhões em 2011 (2,8% do PIB)
Após as eleições municipais de outubro, a presidente Dilma Rousseff pretende negociar com o Congresso o fim do fator previdenciário – que está à espera de votação no plenário da Câmara – em troca de uma reforma da previdência do INSS, que estabeleça idade mínima para a aposentadoria de 60 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens.
Depois do pacote de medidas destinado a estimular os investimentos – cujo anúncio foi adiado e tende a ser feito em duas etapas, no fim deste mês e em meados de setembro -, o foco do governo deve se voltar para dois temas delicados: as novas regras do INSS e a flexibilização do mercado de trabalho.
Nesse último tema, a discussão será em torno de um anteprojeto de lei que amplia a autonomia de empresas e sindicatos nas negociações de cada categoria, abrindo espaços legais para dar primazia do negociado sobre o legislado.
Cortes vão atingir “viúvas alegres e filhas amasiadas”
A intenção do governo é retomar a iniciativa e vencer as múltiplas resistências a essas duas reformas, que são debatidas e engavetadas há mais de uma década.
Mudanças e regras mais restritivas terão que ser feitas também nas pensões por morte e essas, se vierem, já vêm tarde. A conta das pensões por morte atingiu a exorbitância de R$ 100 bilhões no ano passado – equivalente a 2,8% do PIB – e sobre ela não há controle nem limite de duração. Do total, cerca de R$ 60 bilhões são gastos anualmente com pensões do INSS, e os outros R$ 40 bilhões, com as do setor público. A média dos países da OCDE com essa despesa está entre 0,8% e 1% do PIB.
“São as viúvas alegres e as filhas amasiadas” os alvos dessa medida, comenta uma fonte oficial, referindo-se às altíssimas pensões pagas a viúvas de desembargadores, por exemplo, e às filhas de pensionistas que não se casam oficialmente para herdar o benefício vitalício. Um caminho possível é limitar o recebimento da pensão por morte a um prazo de três a cinco anos.
O fator previdenciário, que está com seus dias contados, foi instituído em 1999, durante o governo FHC, para dissuadir os trabalhadores a buscarem a aposentadoria precoce. Trata-se de uma fórmula que leva em conta a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de vida do brasileiro para calcular o valor do benefício. Só este ano, a vigência do fator representa uma redução de cerca de R$ 10 bilhões nas despesas com benefícios. Como a tabela de expectativa de vida do IBGE se altera a cada ano, cria-se uma incerteza sobre quando o trabalhador poderá receber o teto.
O fato é que, com o fator, para chegar ao teto do benefício o requerente da aposentadoria acaba tendo que atingir a idade mínima de 60 e 65 anos, para mulheres e homens, respectivamente.
A proposta que o governo deve fazer como alternativa ao fim do fator preservará direitos adquiridos e, portanto, só será aplicada aos que ingressarem no mercado de trabalho a partir da nova legislação. E mesmo o fim do fator previdenciário será gradual, num processo de transição que não comprometa as contas da previdência social.
Uma hipótese para a transição, sugerida pelo Ministério da Previdência, é conceder aposentadoria integral aos que já estão no mercado de trabalho quando a soma da idade e do tempo de contribuição for de 85 anos para as mulheres e de 95 anos para os homens, adicionando um ingrediente móvel para adequar o benefício à tabela de expectativa de vida do IBGE.
Com as mudanças no RGPS e as que já foram feitas para o funcionalismo público com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp), o governo Dilma completaria a reforma da seguridade social e eliminaria distorções que sobreviveram por décadas.
No primeiro semestre deste ano, o RGPS acumulou déficit de R$ 20,5 bilhões, cifra que sobe para R$ 36,5 bilhões no acumulado de 12 meses. Já a conta das aposentadorias do setor público é bem maior e o déficit anual ronda a casa dos R$ 60 bilhões. Em 2011, foi de R$ 56 bilhões.
Na Câmara, há pressões de alguns partidos, como o PDT, para acelerar a votação do fim do fator. O presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), alega que aguarda os retornos do grupo de trabalho que ficou de estudar o tema no governo e preparar uma nova proposta.
Flexibilizar as negociações trabalhistas é, também, outra face das reformas há tantos anos discutidas e jamais implementadas. Por iniciativa do movimento sindical, está na Casa Civil um anteprojeto de lei que propõe alterações da Consolidação das Leis do Trabalho para dar primazia aos acordos feitos nas fábricas. Conforme reportagem publicada pelo Valor na edição do dia 7 de julho, a proposta foi elaborada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a adesão a essa nova lei, como alternativa à CLT, seria facultativa.
O texto foi entregue em setembro do ano passado ao secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e ao presidente da Câmara, Marco Maia. Pela proposta, o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico (ACE) regulamentaria a criação de Comitês Sindicais de Empresa (CSE) – as antigas comissões de fábrica – nos locais de trabalho, dando segurança jurídica às negociações dos comitês diretamente com a direção das empresas. O acordo não poderia, porém, cortar direitos trabalhistas (férias, 13º salário, entre outros).
Reforma da previdência, flexibilização das leis trabalhistas e privatizações são temas da velha Agenda Perdida, elaborada por economistas quando da primeira eleição de Lula, em 2002. O ex-presidente teve a iniciativa de aprovar os primeiros passos da nova previdência do setor público, mas parou aí. Lula também declarou, nos primeiros anos do primeiro mandato, que gostaria de alterar alguns aspectos da CLT, mas desistiu.
O pacote de medidas que o governo quer divulgar até setembro tem por objetivo desobstruir os investimentos produtivos e cuidar do crescimento da economia pelo lado da oferta. Até agora, à exceção de periódicas e dirigidas políticas industriais, o que foi feito desde o governo passado foi expandir a demanda.
Se não forem apenas intenções do Palácio do Planalto, nos próximos meses a presidente estará derrubando tabus.
Autora: Claudia Safatle, diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras.
Fonte: Valor Econômico