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Custo da mão de obra fica mais competitivo

Por causa da desvalorização do real, os salários no Brasil deixaram de ser os mais altos em um conjunto de cinco países emergentes que inclui México, Rússia, China e Índia. Conforme levantamento do Itaú Unibanco, os salários anuais per capita pagos no Brasil estão menores do que na Rússia e mais próximos dos praticados no México, na comparação com o ano passado. O câmbio também reduziu a diferença entre a remuneração de chineses e brasileiros, que caiu de 70% para 21,8%, considerando-se a taxa de câmbio.

A desvalorização cambial nos últimos meses reduziu o custo do trabalho na indústria, em dólares, deixando o setor um pouco mais competitivo no período, de acordo com cálculos da MB Associados. Embora o alívio ainda seja visto com reticência por causa do efeito adverso do real mais fraco, como o encarecimento dos insumos industriais, economistas e empresários do setor avaliam que a moeda americana mais cara tende a abrir uma janela para a recuperação da indústria, que fica menos exposta à competição de produtos importados. Nesse quadro, na tentativa de não deixar “escapar” esse ganho proporcionado pelo câmbio e em meio ao desaquecimento do mercado de trabalho, a percepção é de que os ventos nas negociações salariais, antes mais favoráveis aos trabalhadores, podem ter começado a virar a favor de empresários.

O custo unitário do trabalho em dólares, uma estimativa do crescimento real do salário acima da produtividade e que considera a variação do câmbio no período, recuou 6,1% nos doze meses encerrados em junho deste ano, de acordo com a MB Associados. Neste período, a taxa de câmbio real se desvalorizou em 9,24%.

A menor pressão da mão de obra sobre os custos do setor industrial não decorreu somente da perda de valor do real em relação à moeda americana. Foi influenciada também por fatores internos. No segundo trimestre, o custo do trabalho em reais ficou 0,3% menor do que em igual período do ano anterior, sempre descontada a inflação do período. Em 12 meses, o indicador ainda acumula alta de 3,1%, mas a variação do custo da mão de obra para a indústria, na moeda brasileira, é praticamente a metade da alta de 6,4% que era observada nos 12 meses encerrados em junho de 2012.

Entre os dois períodos, houve uma mudança no comportamento da produtividade. Entre 2011 e 2012, ela recuou 1,5%, enquanto nos doze meses encerrados em junho deste ano a relação entre a produção do setor e o número de horas trabalhadas avançou 1,3%. O crescimento da folha de pagamentos da indústria, que era de 3,5% em meados de 2012, foi até maior em igual período deste ano, passando para 3,8%.

Dados elaborados pelo Itaú Unibanco também mostram que os salários no Brasil deixaram, neste ano, de ser os mais altos entre um conjunto de países emergentes, situação que era observada em 2012. De acordo com dados que já consideram a escalada do dólar na primeira quinzena de agosto, os salários anuais per capita no Brasil estão menores do que na Rússia e mais próximos dos praticados no México, na comparação com o ano passado. O câmbio também encurtou a diferença entre a remuneração dos chineses e brasileiros, que cai de 70% para 21,8% se considerados o câmbio de 2012 e o atual. No entanto, quando também são levados em conta benefícios trabalhistas, como plano de saúde, por exemplo, o Brasil ainda tem o maior salário em um grupo de cinco países (que inclui a Índia).

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que embora a desvalorização do câmbio tenha dado certo alívio de custos para o setor manufatureiro nos últimos meses, seria preciso que o dólar subisse muito mais para reverter as perdas decorrentes do período em que a divisa doméstica se valorizou. Em junho, o custo unitário do trabalho ficou 4% mais barato do que em igual período do ano passado, mas ainda é 6,2% maior do que em junho de 2008.

“É ilusão imaginar que o câmbio vai salvar a indústria. Hoje o Brasil é muito diferente da economia excessivamente fechada dos anos 80, quando depreciação disparava o crescimento como foi em 1984”, afirma Vale, por causa do aumento da presença de insumos importados na estrutura produtiva da indústria doméstica.

Vale acredita que, apesar do benefício potencial para a indústria não ser tão expressivo, “os empregados certamente tentarão demandar uma parte desse “ganho”, já que a inflação segue elevada e para os sindicatos deve prevalecer a visão de que a indústria está sendo beneficiada pelo câmbio desvalorizado, afirma o economista. “Esse conflito de desejos e entendimento poderá levar a mais confusões no segundo semestre, com risco maior de greves”, diz.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também avalia que o cenário agora tende a ser mais complicado para as negociações salariais, mas não apenas porque as indústrias vão tentar manter a competitividade dada pelo câmbio por meio de reajustes menores. “O mercado de trabalho mostra desaceleração importante, e isso reduz o poder de barganha dos trabalhadores”.

A combinação de reajustes menores de salários e aumento da produtividade, afirma Lima, contribui para a recuperação gradual do setor industrial. No segundo trimestre, o setor aumentou em 1,1% a produção na comparação com os três primeiros meses do ano, feitos os ajustes sazonais. A desvalorização do câmbio, no entanto, tem papel central no processo de retomada do setor, em sua avaliação, ainda que aconteça apenas em termos relativos, com recuperação do espaço perdido para importados, já que o consumo dá sinais de arrefecimento.

Lima afirma que outros itens que costumam aparecer na pauta da “reindustrialização do país”, como aumento da eficiência do sistema logístico brasileiro, tendem a beneficiar também as importações e podem não ter todo o efeito esperado para a indústria se o câmbio permanecer valorizado.

“Não é razoável dizer que o câmbio não é essencial”, afirma. Para Lima, a reação é mais rápida em alguns setores, como o automotivo, em que as exportações subiram 20,4% no segundo trimestre, em relação a igual período do ano passado, mas tende a afetar todos os setores em algum momento.

Para Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco, a questão central é que a mudança de patamar do real pode gerar algum benefício em termos de competitividade para a indústria no curto prazo, mas não garante aumento da produtividade, “que, de certo modo, é o que vai permitir que a atividade econômica possa crescer a taxas maiores. Apenas a taxa de câmbio não vai fazer com que a indústria fique mais eficiente”, diz Bicalho, que também cita investimentos em infraestrutura, educação e redução da carga tributária como necessários para esse movimento.

Bicalho considera natural que haja acomodação do mercado de trabalho, após o período recente, em que os salários cresceram bem acima da produtividade, o que provocou um desequilíbrio que agora precisa ser ajustado. “O câmbio ajuda temporariamente, mas é a correção de fatores persistentes que vão contribuir mais para a produtividade da indústria”.

Para Luiz Cezar Rochel, gerente de economia da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o câmbio terá impacto positivo pois, além de incentivar exportações e funcionar como uma barreira natural aos importados, todos os preços dos itens não comercializáveis, como mão de obra, aluguel e serviços de terceiros ficam mais competitivos em dólar com a mudança de patamar do câmbio, o que minimiza o encarecimento dos insumos.

Para garantir essa distensão dos custos, Rochel avalia que será preciso haver “bom senso” nas negociações salariais no segundo semestre, chegando a um valor “que acomode bem tanto trabalhador quanto a indústria, porque o concorrente ainda é a indústria chinesa, que tem patamar de competitividade muito grande”.

Para Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Material de Construção (Abramat), a desaceleração do custo do trabalho tanto em dólar quanto em reais é positiva, mas em sua avaliação o mercado de trabalho, embora em desaceleração, ainda é um gargalo para o setor. “Já tivemos reajustes de 10% em termos nominais, mas neste ano as reposições salariais foram menores, de 8% a 9%, mas mesmo assim superaram a produtividade”, diz Cover. A expectativa é que os reajustes fiquem mais próximos da inflação e que o setor ganhe em produtividade, o que tende a tornar essa relação mais equilibrada.

Fonte: Valor Econômico

 

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