24 de junho de 2020
O Banco Central anunciou ontem um programa de direcionamento de crédito para as pequenas e médias empresas (PMEs) com potencial de liberar R$ 212 bilhões. Entre as diversas medidas para fazer o crédito chegar à ponta, a autoridade monetária disse que punirá com corte de remuneração de compulsório os bancos que não direcionarem recursos dos encaixes da poupança para as companhias do segmento. A matéria abaixo foi divulgada pelo Valor Econômico hoje com análises:
Em entrevista coletiva, o BC detalhou ainda as regras de compra de títulos privados no mercado secundário.
Segundo a autoridade, a medida vai provocar um aumento do déficit primário do setor público. Isso significa que essas operações vão competir por espaço fiscal com todos os gastos orçamentários.
“A contabilidade pública é assim. O BC faz parte do setor público. Então, quando compra um ativo privado, aquilo vira déficit primário. Assim, quando eventualmente vender esse ativo, tem impacto oposto, um superávit.”
Isso significa que, sob o ponto de vista do resultado primário, o gasto que o Banco Central fizer com a compra de títulos privados tem o mesmo peso que, por exemplo, o pagamento do auxílio emergencial ou transferências do Bolsa Família. A diferença é que essas despesas são contabilizadas no Orçamento aprovado pelo Congresso, enquanto que a compra do título privado é uma decisão apenas do Banco Central, usando uma prerrogativa que foi conferida por uma Emenda Constitucional.
Em economias desenvolvidas, compras semelhantes de títulos são consideradas apenas operações monetárias porque, em geral, o banco central é considerado um ente privado. O BC afeta o resultado primário quando têm prejuízo coberto pelo Tesouro. No Brasil, o BC faz parte do setor público consolidado.
CIRCULAR COM REGRAS
O Banco Central baixou ontem uma circular que estabelece as regras para a compra de títulos privados. Entre outros requisitos, há um limite de 7,5% por emissor, o prazo dos papéis não pode ser menor do que 12 meses e deverá haver registro em depositário central autorizado pelo Banco Central.
Questionado sobre como serão feitas eventuais intervenções, Campos Neto disse que, por ora, foi definida apenas regras gerais, mas a efetiva compra de papéis dependerá de decisão da diretoria colegiada. Ele não detalhou se as condições atuais de mercado já exigiriam compras ou se essas intervenções só seriam feitas em período de estresse de mercado.
O Banco Central resolveu ainda fazer um pacote de direcionamento de crédito para as pequenas e médias empresas porque, depois de um bom desempenho em março e abril, o mercado de crédito deu “sinais de arrefecimento” em maio, de acordo com o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
VALORES
Números apresentados por Campos mostram que os novos empréstimos desde a segunda quinzena de março somam R$ 47,6 bilhões no caso das micro e pequenas e R$ 61,2 bilhões no caso das médias – em ambas as situações, um patamar muito menor do que os R$ 274,1 bilhões direcionados às grandes companhias.
“Especialmente o crédito para o segmento de micro, pequenas e médias empresas precisa de novo impulso”, disse o presidente do BC.
Em uma das frentes, a autoridade monetária vai liberar R$ 55 bilhões em recursos dos compulsórios sobre caderneta de poupança para os bancos emprestarem para as PMEs.
O mecanismo vem com uma punição para os bancos que não sacarem para empréstimos pelo menos um terço dos recursos. Na prática, essas instituições vão perder remuneração sobre compulsórios. Os bancos públicos deverão ser mais afetados pela medida, já que a Caixa é especializada na captação de poupança para financiamentos imobiliários e o Banco do Brasil na poupança rural para financiamentos agrícolas.
O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, argumentou que, apesar da ameaça de corte de remuneração de compulsórios, os bancos não estariam obrigados a fazer operações de crédito que não desejam.
Ele lembrou que o mecanismo permite que recursos sejam destinados a aplicações em Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE) de instituições de menor porte.
Uma outra medida prevê que as cooperativas de crédito e outras instituições financeiras de pequeno porte, do chamado segmento S5, terão redução temporária de requerimento de capital, com potencial de liberar R$ 16,5 bilhões em concessões de crédito.
Além disso, o BC reduziu de 50% para 35% o Fator de Ponderação de Risco (FPR) nas exposições de Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE). A medida vale para os depositantes associados ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e pode liberar até R$ 12,7 bilhões em empréstimos.
A mudança com maior potencial, entretanto, foi um novo tratamento de crédito tributário por diferenças temporais para canalizar recursos para o capital de giro de micro, pequenas e médias empresas. O Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE) tem potencial de liberar R$ 127 bilhões, segundo a autoridade monetária.
OTIMIZAÇÃO DO USO DE CAPITAL
A medida, elaborada com a ajuda da Receita Federal, funciona como uma “otimização do uso de capital” e será baseada na transferência de capital de um tipo de ativo chamado “ativos decorrentes de diferenças temporárias”.
“O governo aceita melhorar a qualidade desses ativos decorrentes de diferenças temporárias desde que os bancos concedam empréstimos para micro, pequenas e médias empresas”, disse Campos.
Cálculos apresentados pelo presidente do BC mostravam que, nas condições atuais, os R$ 127 bilhões potenciais do CPGE consomem R$ 105 bilhões de capital, em provisões para passivos contingentes. “Esses mesmos R$ 127 bilhões se estivessem aplicados em operações de crédito a micro, pequenas e médias empresas consumiriam R$ 11 bilhões de capital”, disse.
Fonte: valor.globo.com/financas/noticia/2020/06/24/novo-pacote-de-credito-para-pequena-empresa-pode-liberar-r-212-bi.ghtml