09 de novembro de 2012
A complexidade e o tamanho da tributação e a má qualidade da infraestrutura são, para os empresários brasileiros, os principais limitantes à nossa competitividade. Não há sinal de que esse quadro vá mudar: este ano o investimento em infraestrutura deve ficar abaixo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a carga tributária vai outra vez subir. Como chegamos a esse ponto?
É comum associar a nossa baixa taxa de investimento em infraestrutura – há quase três décadas em pouco mais de 2% do PIB – à necessidade de disciplina fiscal. De fato, até o início dos anos 1980 essa taxa era de 5% do PIB e nos anos seguintes caiu pela pressão para conter o gasto público. Não só era mais fácil segurar investimentos do que gastos correntes, como as políticas de combate à inflação semicongelaram as tarifas, comprometendo as receitas das empresas estatais, justo quando suas despesas financeiras explodiam, pelo impacto da desvalorização cambial sobre o serviço de sua dívida, majoritariamente indexada ao dólar. Data também dessa época a crescente interferência política na gestão dessas empresas.
O espaço para elevar o investimento público foi ainda mais comprometido pela forte alta nos gastos públicos a partir da segunda metade da década de 1980: o consumo do governo, que de 1947 a 1985 fora em média de 10,8% do PIB, subiu para 21% nos dez anos seguintes e desde então ficou em média em 20,2% do PIB. Somou-se a isso o aumento das transferências, em especial com benefícios do INSS, que pularam de 3,4% do PIB em 1991 para 7% em 2012.
Investimos pouco em infraestrutura não por falta de recursos, mas por falta de prioridade
Essa gigantesca expansão fiscal explica o Brasil ter entrado em quase hiperinflação, debelada pelo Plano Real, em 1994. E esse só se consolidou porque foi acompanhado de grande elevação da carga tributária bruta, que saiu dos 25% do PIB com que o Brasil funcionava até o início dos anos 1990 para quase 35% do PIB uma década e meia depois, uma alta provavelmente sem paralelo na história mundial, por seu tamanho e velocidade.
O que esses números mostram é que o Brasil optou, consciente ou inconscientemente, por mudar seu modelo econômico: basicamente, trocou uma carga tributária bruta de 25% do PIB e uma taxa de investimento em infraestrutura de 5% do PIB por 35% do PIB de carga tributária e 2% do PIB de investimento em infraestrutura, utilizando esses 13% do PIB de folga para elevar o consumo do governo e os benefícios do INSS.
Assim, investimos pouco em infraestrutura não por falta de recursos, mas por falta de prioridade: preferimos dar outra destinação aos enormes recursos adicionais colocados à disposição do governo. Teria bastado utilizar um terço do salto na carga tributária para retornar ao padrão anterior de investimento em infraestrutura. De fato, muitos países, inclusive na América Latina, investem bem mais que nós em infraestrutura, apesar de terem uma carga tributária bem mais baixa.
Essa reflexão é importante porque o Brasil está ganhando uma nova folga fiscal, fruto da queda da dívida pública e dos juros, e precisa definir como irá alocar os recursos assim liberados. Nos últimos cinco anos, a dívida líquida do setor público caiu 10% do PIB, enquanto a taxa Selic acumulada em 12 meses diminuiu três pontos percentuais. Se, como se prevê, a Selic ficar em 7,25% ao longo de 2013, a queda na taxa de juros aumentará para 5,3 pontos percentuais. Isso significa que em 2013 o setor público deveria gastar 3,2% do PIB a menos com juros do que há cinco atrás. Sem alterar a dinâmica da dívida se pode, portanto, fazer uma revolução na infraestrutura e/ou começar o processo de redução da carga tributária.
Na prática, porém, esses recursos já estão sendo gastos. De fato, a despesa com juros sobre a dívida líquida do setor público, acumulada em 12 meses, caiu apenas 1,1% do PIB nos últimos cinco anos. A diferença foi canalizada para bancar os subsídios transferidos pelo BNDES e a manutenção de um volume recorde de reservas internacionais, que continuam aumentando: o governo capta à taxa Selic e empresta, no caso do BNDES, à TJLP e, no das reservas, à taxa quase zero dos títulos públicos americanos. O resultado é que, em cinco anos, o juro sobre a dívida líquida do setor público caiu apenas 1,8 ponto, um terço da queda da Selic.
Esses recursos também viabilizam as inúmeras isenções tributárias dadas nos últimos anos. Ainda que ajudem a conter o aumento da carga tributária, essas isenções vêm sendo dadas sem uma estratégia maior por trás e desarranjando as finanças dos Estados e municípios, que pagam por grande parte dessas “bondades”.
É preciso aproveitar essa folga fiscal, dobrando o investimento em infraestrutura como proporção do PIB, priorizando os transportes. Ainda sobraria recurso para financiar uma significativa simplificação tributária. Mas é preciso dar prioridade a isso, ou esses recursos virarão outra vez aumento de gasto corrente. Se não fizermos diferente desta vez, dificilmente cresceremos mais rápido que os 3% ao ano das últimas duas décadas.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Fonte: Valor Econômico