11 de maio de 2012
A oferta de crédito está crescendo em ritmo bem menor que nos últimos anos, e esse freio retarda a expansão da economia. De um lado, a renda disponível de uma parcela substancial da população, que entrou com força no mundo dos empréstimos, diminuiu e, com ela, a demanda por financiamentos. De outro, os bancos observaram a elevação do comprometimento da renda e da inadimplência, tomando-se mais seletivos nas operações de crédito.
Há um sensível aperto na concessão de financiamentos para veículos, que com seus R$ 177,4 bilhões de estoque de crédito em março era um dos segmentos que mais cresciam, ao lado do crédito pessoal, com R$ 253,3 bilhões. Em velocidades distintas, ambos recuaram na média diária de novas concessões —17,7% e 3%, respectivamente.
A economia brasileira não está deslanchando porque um dos canais de transmissão da política monetária, o crédito, está comprometido – está crescendo menos. E é difícil encontrar culpados no atual cenário. De um lado, a renda disponível de uma parcela substantiva da população diminuiu; de outro, os bancos se tornaram mais seletivos. O governo age, mas a mobilização dos bancos públicos não é suficiente para bancar a necessidade de financiamento da economia. É inquestionável, porém, que a pressão ajuda a colocar dinheiro na rua.
Uma mudança de padrão no consumo, especialmente da classe C, vem tendo um impacto importante na evolução do crédito – para o bem e para o mal. O destino da renda dessa massa de brasileiros, antes destinada basicamente a despesas com água, luz, telefone e aluguel, mudou drasticamente nos últimos anos. Parte da renda das famílias passou a ser drenada para bens de consumo considerados intangíveis. É a despesa com telefone celular, internet, TV por assinatura, mensalidade de escolas e faculdades privadas e passagens aéreas. Novos hábitos, novos custos. E o resultado é a redução da capacidade de endividamento.
“O sobre-endividamento das famílias brasileiras não existe. O que existe é uma renda disponível menor, consumida também pela inflação elevada, sobretudo, nos gastos com serviços”, comenta a fonte de um banco privado. O Valor conversou com três executivos da alta cúpula de três bancos, sendo dois deles privados e um público. Um problema de demanda é citado por todos eles para explicar, pelo menos parcialmente, o ritmo mais lento do crescimento do crédito.
Para os bancos, a diminuição da renda dos clientes virou pesadelo. E as instituições começaram a colher frutos amargos dos maciços financiamentos de veículos contratados entre 2009 e 2010, quando o país se defendia do risco de capotar com a crise financeira internacional.
Se até poucos meses atrás os bancos aprovavam sete pedidos de crédito para aquisição de bens de consumo (incluindo automóveis) em cada dez pedidos, agora passaram a aprovar cinco – procedimento que o setor bancário não vê como represamento de recursos, mas como cautela com o aumento do risco e da inadimplência.
O cuidado é consequência da trombada que grandes bancos levaram no financiamento de veículos para pessoas físicas de baixa renda, o que levou os bancos a mudar o perfil das operações. A estrutura de financiamento de automóveis vigente até 2009, de entrada de 20% a 30% do valor total e parcelamento em até 36 meses, passou a ser de financiamento de 100% do bem com prestações diluídas em até 72 meses. Entra aqui o lado da oferta de crédito mais retraída.
O resultado desse posicionamento agressivo de grandes instituições no financiamento de veículos já foi escancarado nos balanços dos bancos, que mostraram a proliferação das provisões para devedores duvidosos, com o consequente encolhimento dos lucros. Executivos de bancos estimam que 50% do aumento da inadimplência vem do segmento de veículos financiados entre 2009 e 2010. Para correr atrás do prejuízo, agências de cobrança relatam que tem prevalecido entre os bancos uma orientação para que as agências deem mais ênfase na renegociação de contratos, no lugar da retomada do veículo, graças a queda no preço dos carros usados.
A maioria dos revendedores de carros está pessimista com a nova política de crédito mais rígida adotada pelos bancos. O Valor conversou com seis revendedores de diferentes capitais e todos afirmaram que os financiamentos de 60 meses estão cada vez mais escassos. A preferência é pelo prazo de 48 meses. A exigência de 20% de entrada – no mínimo – é também terminante.
Mas as famílias estão retomando “devagarzinho” os financiamentos, inclusive de automóveis. “Havia uma distorção no financiamento sem entrada. Agora, as pessoas continuam querendo consumir, mas é preciso um tempo para que elas poupem e, por exemplo, consigam dar a entrada em um carro. Acredito que estamos nesse período de criação de poupança”, diz o presidente de um banco de médio porte com foco em consumo.
Um outro executivo de um grande banco privado alerta para o risco de leituras equivocadas ou exageradas dos sinais emitidos no mercado de crédito. “O desempenho da economia brasileira é sazonalmente mais fraco no primeiro trimestre de cada ano. Mas a economia vai deslanchar no segundo semestre. E também contribui para isso o fato de os bancos, que apanharam com as carteiras de veículos, equacionarem os seus problemas, o que já está acontecendo”, acrescenta a fonte, que ressalta a importância do salto que o crédito deu no Brasil em dez anos.
“O crédito dobrou em proporção do PIB. Se a economia brasileira está sendo 50% financiada por recursos bancários, é razoável esperar que a expansão das carteiras passe a ocorrer em ritmo menor. E isso é saudável não só para o sistema bancário, mas para o país. É um engano imaginar ser possível sustentar um ritmo de expansão de crédito de 20% ou 30% ao ano. O crédito no Brasil está crescendo ao ritmo de 17%, 18% ao ano e isso é muito relevante”, diz o interlocutor, que vê o PIB crescendo mais de 4% neste ano e certamente além desse percentual em 2013.
É pouco provável que quem comprou um carro no ano passado e ainda está pagando a prestação volte a comprar outro neste ano. “Há um esgotamento do ciclo de consumo de bens duráveis no Brasil. Não há dúvida. Por isso também parte do crédito cresce mais lentamente”, diz o vice-presidente de um banco público.
Por outro lado, na ponta das empresas a perspectiva de expansão da atividade no Brasil deve incentivar também a demanda por crédito. Isso não virá, porém, de qualquer empresa. As grandes corporações ou as de médio porte financeiramente robustas têm acessado cada vez menos as linhas de crédito bancário, dando preferência à captação de recursos no mercado de capitais, com emissões de títulos de renda fixa ou emissões externas. Esse segmento está bem resolvido.
A demanda por crédito bancário é titubeante entre as micro, pequenas e médias, principalmente, vinculadas ao setor industrial. E, nesse caso, o problema é de competição do setor, que está enfraquecido, e não falta de crédito. Em contraponto, as micro, pequenas e médias do setor de serviços mantêm interesse firme por linhas bancárias.
O problema que elas têm encontrado é de outra ordem. “Tem sobrado crédito para as boas empresas e faltado para as menores”, diz o presidente de um banco médio que atende empresas. “As pequenas empresas estão sofrendo mais com a alta da mão de obra e a redução da informalidade. Logo, as margens delas estão mais apertadas”, diz o executivo. Ao longo do ano passado, ao sentir uma inadimplência maior entre as companhias menores, diversos bancos de médio porte optaram por direcionar seus desembolsos para empresas maiores. Isso explica o fato de as ações de Banco do Brasil e Caixa, por exemplo, terem foco nas pequenas e médias empresas.
O Banco Central, lembra um executivo de um banco de fomento, também vem forçando os bancos a aumentarem os níveis de provisão para o crédito dado, principalmente entre as médias empresas. Entre ter de separar em seu balanço mais milhões para um crédito de qualidade inferior e não dar o empréstimos, muitos bancos têm optado pela segunda alternativa.
Em meio ao cenário de inadimplência crescente, a estratégia dos bancos também tem sido se refugiar em linhas mais seguras de empréstimos e financiamentos. “Continuaremos privilegiando as linhas de menor risco, que exijam garantias”, diz o vice-presidente de um grande banco privado. É o caso do financiamento imobiliário, que em tempos de juros altos era o “patinho feio” dentro dos bancos. Uma instituição privada de grande porte, por exemplo, prevê que daqui a dois ou três anos, a carteira de crédito imobiliário e de cartão de crédito fiquem do mesmo tamanho.
Fonte: Valor Econômico